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QUEM  VAI   BUSCAR O  FUTURO
Quem vai buscar o futuro

CONTOS INFANTIS

CONTOS INFANTIS

  • Quem vai buscar o Futuro

  • Quem se gaba

  • Quem gosta de cantar só?

  • A estrela sozinho

  • Um comandante sem arma

  • O galo e a rola

  • Estórias do leão velho

  • Eu vou contar

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  • No país da brincaria

  • Contos infantis

  • As sete vidas de um gato

No sobado do MUNDO tinha uma sanzala que se chamava TEMPO. 

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Na sanzala tinha um velho e o velho tinha um filho.

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O velho que tinha um filho (e tinha um neto também que se chamava Futuro) já quase não trabalhava.

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Tomava conta do neto, ficava sentado ao sol, e contava uma estórias das TERRAS-DO-AMANHÃ. E lá só havia flores e animais de brinquedo e um caldeiro de funge e uma quinda de peixe (grande, tão grande que era) que podia o mundo todo comer, sem nunca acabar.

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E o avô Antigamente contava. E o pioneiro ouvia. E o povo admirava estes contos e estórias que só o velho sabia.

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- Mas que estória mais bonita que o vôvô me contou. Melhor que ouvir é ir ver (e conhecer) essas TERRAS-DO-AMANHÃ, onde a fome já morreu e a doença acabou.

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E o Futuro partiu. E Antigamente ficou.

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Triste , o pai desconseguiu de o encontrar e pensou:

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- Agora fazer o quê, se o menino fugiu? Mil caminhos tem o mundo  uns de paz, outros de fome, uns de amor, outros de guerra... como posso eu encontrar a estrada para aquela Terra?

Mas o povo não achou que o pai  tivesse razão. Discutiu e até bravou - fez comício e confusão :Quem vai buscar o Futuro que fugiu e foi p'ra longe? 

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- Deixa só! diziam uns - aonde foi é seguro. Nas TERRAS-DO-AMANHÃ, nas chanas da LIBERDADE, não há cacimbo nem fogo, nem perigo de ter mar fundo.

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- Afinal?! você esquece onde mora a LIBERDADE, a reacção aparece - mosquito da kazukuta, o paludismo burguês, e outras doenças mais, prontinhas para acabar com o Futuro de uma vez?

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- Mas o Futuro não morre! ...

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- Mas pode ficar doente.  E se o Futuro adoece é o povo, é mesmo a gente que morre,  sofre e padece.

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E discutiam, falavam, uns com os outros na aldeia. E todos, todos chegavam, sempre e sempre à mesma ideia: é preciso procurar o Futuro de uma vez?

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E quem vai? Este era o caso.

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E resolveram então - o povo, o filho e o velho - levar esta discussão, ao soba que tinha fama, de homem de bom conselho.

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Gente veio - e era muita. Povo, sol, poeira, sombra (debaixo da mulembeira, onde o soba se sentava)... O povo na roda, ouvia. Ouvia só, não falava.

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- Quem vai buscar o Futuro? Só o avô Antigamente sabe onde  fica essa terra.  Mas está velho e doente.  Vai demorar tanto tempo que ainda morre primeiro. Sozinho, com Antigamente, nunca se chega ao Futuro. Que vá  o filho que é novo, procurar o pioneiro.

​

- Não concordo - o Futuro não se encontra só à toa. É preciso saber (e escolher) qual é o caminho mau e qual é a estrada boa. Sozinho e sem experiência, a juventude não chega. Paciência! Que vá o velho, portanto - capengando, devagar, sem engano no caminho, demora, mas vai chegar.

​

A discussão aumentou. Cada qual queria falar - dar a sua opinião. Zangado o soba cortou:

-  Isto assim não tem mais jeito!  Isto assim é confusão! Vamos voltar ao respeito de se falar um a um. Onde toda a gente fala, nunca se ouve nenhum.

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E o respeito voltou.  Um outro kota falou:

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-  Se o velho não pode andar, se o filho se vai perder, juntemos então os dois. Porque um pode aconselhar e o outro, pode aprender, e assim (sem se enganar) chegar às terras e ao Futuro que todos queremos ver.

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-  E isso mesmo, Mais-velho, gritou o povo contente. 

​

Mas alguém se levantou. O vendedor de maruvo também lá estava presente. Quis falar. Soba deixou. O povo não lhe gostou, mas ouviu serenamente.

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- Se o velho vai sozinho, não aguenta e morre. Se o filho não leva o pai, entra no caminho errado e perde-se. Se o avô vai nas costas do filho - atrasa e chega tarde.

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-  Nunca é tarde para chegar e encontrar o Futuro, gritou o povo zangado.

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-  Mesmo agora já é tarde. Porque a estrada tem onça. Lá na mata tem leão. Mesmo na chana tem cobra... A esta hora, o pioneiro morreu... ou do frio do cacimbo, ou medo da escuridão.

​

- Tu não gostas do Futuro, disse o soba ao vendedor, pois onde o Futuro cresce, a exploração vai morrendo e logo desaparece. Mas tens razão numa coisa: de qualquer modo, chega-se tarde ao Futuro se for só o filho e o velho. Que vá pois o Povo todo. É isto que eu aconselho.

​

E naquele sobado do MUNDO que tinha uma sanzala que se chamava TEMPO, e um velho que tinha um filho e tinha um neto também...

​

 Naquele sobado daquela sanzala, já não tem mesmo mais nada - nem casa, gente, nem muro.

É que foi o povo todo à procura do Futuro ... Homens, mulheres e crianças. Embambas das casas e galinhas do terreiro. Porcos, cabras, bois. Quindas de mandioca, livros de escola, professores e enfermeiros...

 

E o vendedor de maruvo?

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Esse ficou. Depois seguiu atrasado. Sem gente para comprar, todo o maruvo estragou.  Deitou as  cabaças fora que era um peso escusado. Pegou  na enxada e cavou. Se gostou, ou não gostou - não sei. Mas aprendeu a lei: O FUTURO NUNCA MORRE. Ninguém o pode matar.

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E quem encontra o Futuro?

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O velho cego e doente (Antigamente )?

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O filho forte e sadio (que era novo)?

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Nem um, nem outro.  Certamente, que só se chega ao FUTURO com o POVO.                               

                                                                 

 

 DARIO DE MELO

1ª edição INALD 1982

Colecção Piô-Piô nº1

Tiragem: 5000 exemplares 

Capa e Ilustrações: ANTÓNIO DOMINGUES

2ª edição INALD / Dez.1986                             

Colecção Miruí - nº7

  Ilustrações: Carmelo González  

© Copyright - Dario de Melo
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