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MULHER AFRICANA
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Tem a mulher africana um dia. Um dia, para que todo o mundo se debruce sobre as suas imensas dificuldades. Um dia, para que se revejam os programas de ajuda e solidariedade com que o mundo a procura proteger. Um dia, para que todos se apercebam, que para além das facilidades e dos desperdícios do primeiro mundo, há um Continente com fome, onde a desgraça amanhece todos os dias do ano. Em qualquer parte, a mulher tem tão somente o dever de ser mulher: boa filha, boa cidadã, boa profissional,boa esposa e boa mãe.
Em África, a mulher tem por obrigação ser tudo: cuidar dos filhos, enquanto isto signifique encontrar alimentos onde a fome alastre, acartar água onde a sede impere, esgravatar lenha para o parco fogo de que necessita, preocupar-se com o calção ou o vestido, a manta ou o agasalho, onde a nudez reina e o frio aperta.
Em África, é a mulher que zela pela família, quando os desfavores da seca ou da guerra coloca sobre os seus ombros, o encargo de tratar dos velhos, olhar pelas crianças e fugir com todos, quando a desgraça diasporiza os povos e os atira para a única e derradeira esperança - a de sobreviver, a custo do que quer que seja.
Em África, é a mulher que sustenta, que orienta e que se responsabiliza pelos seus, embora saiba sempre ouvir a opinião dos mais velhos, só porque respeita a velhice e escutar as razões do marido, só porque a tradição faz dele o chefe de família.
Em África, a mulher, assoberbada pela premência das necessidades imediatas, não sabe nem nunca exigiu os direitos que tem. Em tempo de fome que direitos se podem saber existir, para além do pão da degradação e da miséria em que vive?
Em África, a mulher, sem outro horizonte que não seja o de resistir para fazer sobreviver a família, não tem sonhos para além de pequeninos desejos - fartura de fuba e fogo, fartura de paz e pó das lavras cavadas, fartura de água e amor - água que venha dos céu e descedente a terra, amor que lhe faça frutificar de filhos o ventre - seu mais estimável tesouro para continuar a família, para lá da inevitabilidade sempre presente da morte..
Porque em África, é a mulher que enterra os seus mortos, é a mulher que mais sente o diminuir da família: o pai que se apaga, o marido que desaparece, o filho que a fome fez perecer ou que a guerra levou.
A Mulher africana ainda terá lágrimas de alegria quando lhe nasce mais um filho, para além dos muitos que tem ?
A Mulher africana, quando bandona um filho por não ter pão que lhe dê, quando o atira para a rua para que aprenda a não morrer à fome, tem da sociedade que somos nós todos, compreensão, entendimento, solidariedade e principalmente - não a crítica - mas o empenho para lhe melhorar a vida?
Ai como é fácil atirar a primeira pedra, quando a prosperidade (embora pequena, mas fora da alçada da fome) nos retira do caminho todas as pedras que nos possam fazer tropeçar!
Ai como é fácil moralizar, sentir sentimentos cristãos e teorizar com a soberba do publicano no templo: " Obrigado, Senhor, porque me fizeste justo e não pecador como esta pobre mulher..."
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Tem a mulher africana um dia, para que se medite nas suas dificuldades e um ano inteiro com todos os dias, para que sinta e sofra e conviva com os seus padecimentos.
Ontem, menina sem infância, trabalhando mal começa a andar; hoje, símbolo da resignação, mão estendida à caridade do mundo, se sofre, se teima, se aguarda, é porque se sente, ela própria, como único arrimo dos seus - como filha da desgraça, como esposa do desamor quantas vezes, mas sempre e principalmente, como mãe da continuidade e da esperança.
A MULHER AFRICANA NO SÉCULO, NO MILÉNIO, NA DESGRAÇA
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Estamos em vésperas de mudar de século, estamos chegados à altura em que mudaremos de milénio. Quer dizer: que se daqui a cem anos mudamos de século, só daqui a mil ( se ainda houver gente que viva e terra que se habite) mudaremos de milénio.
E o que parece uma verdade comezinha de lembrança desnecessária, porque todos nós sabemos fazer essas contas de menino de escola, serve para dizer que de lembranças pequenas e de todos os dias andam desimportados os homens - por isso temos um dia de comemoração para lembrar a mulher.
Inventámos o inimaginável - do automóvel ao avião, do computador ao satélite, dos transplantes à clonagem, mas também, como ninguém, inventámos a guerra, nunca como até aqui, destruidora e mortífera, mantendo a sorte do mundo à mercê do mau humor de uma bomba atómica, de hidrogénio, ou de neutrões.
Teve este século dois marcos de horror: a 1ª e 2ª guerras Mundiais. No fim de cada uma delas juntaram-se os homens para dizer "nunca mais..." E nunca mais houve guerra no seu território. Foram quase de imediato exportadas para outras terras longe: na Coreia, no Vietnam, no médio oriente, nos Balcãs e em África. Cimentaram os homens de boa vontade a "sua" paz, mudando a geografia do sofrimento.
Destas guerras em África, cabe à mulher sofrer o quinhão maior das desgraças. Ela que é uma mulher, que deveria ser, e não é, uma mulher como qualquer outra... Tem a guerra e a seca contra si. Tem a família: filhos, o próprio marido e os mais velhos, à espera de si.
No campo, trabalha em areia parca e pouca que nada produz. Na cidade, é ela quem pede, quem estende a mão à caridade, quem desencanta ajuda, quem inventa expedientes, quem se move e movimenta para não deixar perecer os seus.
Em paga de tanto trabalho e de tanta dor, a Mulher Africana, ganha a desconsideração do homem, as lágrimas pelo filho que a guerra levou, a pungência da solidão pelo companheiro que desapareceu, os xinguilamentos pelo óbito dos familiares que se finaram.
A Mulher Africana que nasce menina como qualquer criança, não é como qualquer criança. Enquanto brinca, trabalha: varre o chão, acarta água, toma conta dos irmãos, põe a panela ao lume. Raramente canta, raramente vai à escola, raramente fala bem uma língua (a materna, é o rudimentar que a mãe lhe ensina entre duas ordens, a "outra", é o simples de uma ou duas palavras que na rua aprende). A cultura, é o alerta de fugir de onde a guerra vem, e pensar, constantemente pensar, em comida, porque nunca saciou a fome.
Em Angola, a Mulher Africana, é obrigada a uma aventura de que poucos se dão conta. A aventura da urbanização a que é obrigada e onde vai perdendo o melhor que tem de si: a solidariedade que não é só familiar, como comunitária; A alegria do trabalho que morre, em troca de qualquer coisa que se faça por necessidade de dinheiro; A segurança familiar, onde todos eram parentes porque a lembrança os levava a um tetravô comum, e fica hoje confinada, aos que trouxe consigo, na fuga desordenada da desgraça.
E tanta dor, tanto medo, tanto sofrimento e angústia, tanta morte e tanta fome, à porta do próximo século, quase ao dobrar da esquina do novo milénio. Nós que parecíamos estar no século da Paz e dos Milagres...
E o homem que se comunica entre continentes, o homem que vai à Lua, que penetra na profundeza do universo, ainda não descobriu esta palavra tão simples e tão pequena, com que se escreve Mulher, com que se diz Mãe, com que se pronuncia Amor.
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A MULHER E O ORDENADO
Houve, aqui há anos, quem inventasse em abono da igualdade entre homens e mulheres que o maridos devessem pagar um vencimento às suas mulheres, quando domésticas.
Não tanto para que elas se sentissem pagas como criadas, mas sim, para que os homens sopesassem quanto valia o trabalho das senhoras. Não tanto para que elas ganhassem o que lhes seria devido, mas mais para que eles soubessem quanto poupavam com o seu trabalho. Não tanto ( mas também) para que elas tivessem algum dinheiro de seu, e que sentido desejos de comprar o que quer que fosse, não tivessem de justificar, mentir, inventar explicações, quando eles, nas mesmas circunstância, gastavam onde bem lhes parecia sem dar satisfações a ninguém.
Isto tudo, para se combater o pensamento comum, de que as mulheres em casa, embora fazendo alguma coisa, não trabalham, porque unicamente cumprem uma obrigação. E sendo que obrigação não é trabalho, quem não trabalha não vence, nem merece a despesa do que come - está ali de favor, tendo como função, tratar da casa e fazer os filhos.
Falaram os jornais, estremeceram os corações e, a pouco e pouco, ficou tudo por aí, entre sorrisos enternecidos de namorados: " porque qualquer dia vais ver, quando tiveres de me pagar". E pagar o quê? só o serviço de criada e cozinheira, ou o outro, que embora sendo de satisfação comum, se tudo tem de ser pago, que pague o homem também?
Interessante é que naquele tempo ( não sei se ainda hoje) a Lei previa casos assim: um homem que vivesse maritalmente com uma mulher de quem não tivesse filhos, ao morrer sem testamento, os seus legítimos herdeiros, ou concertavam com a senhora um benefício que a satisfizesse, ou eram obrigados a pagar-lhe o ordenado de criada por aqueles tantos anos de mancebia.
Era uma fórmula injustamente justa, porque feita a lei para proteger a mulher era, ainda assim, no quarto de criada que a colocavam. Só como criada se achava saída para um amancebamento que se desculpava o homem, penalizava sempre a mulher. Não sei a Lei preveria casos, em que o "mancebo" fosse o homem, a ser pago como criado.
Depois, ou porque alguém descobrisse o enxovalho que seria, pagar à sua própria mulher o trabalho de casa, esqueceu-se a invenção dos ordenados e caiu tudo no rol dos esquecimentos incómodos.
Porém, e de cá para lá, vão passdos uns bons quarenta anos, pouco se terá progredido. A mulher estudou, a mulher arranjou emprego, a mulher vive mais solta com o marido que escolheu e ninguém impôs. Já ninguém quer a mulher em casa, porque todo o dinheiro é pouco para enfrentar as dificuldade do dia a dia. Já ninguém prepara as filhas, exclusivamente para os condimentos da cozinha. Já ninguém acha mal que o marido ajude, ou na confecção das comidas, ou na fralda dos filhos.
E tudo seria de nos regozijarmos se não se tivesse inventado, ou ressurgido como tradição a espoliação da viúva, quando o marido morre, o roubo dos filhos quando o pai desaparece, a extorsão dos mais fracos "sob o olhar silencioso" das autoridades que sabem perfeitamente que isto acontece, que até acham normal que isto aconteça e nada fazem para pôr cobro a este desapiedado roubo que se faz.
E o interessante é que até as igrejas se calam. Elas, sempre tão prontas a defender os desvalidos, a proteger os infelizes, a dar mão à pobreza e à miséria.
E tudo em nome de quê?
Em nome da tradição que em morrendo o marido vem a família do falecido e fica a viúva sem amparo e os órfãos sem futuro.
Seria interessante saber como se legalizam as casas, havendo menores que são com mãe os únicos e legítimos herdeiros. E os carros e os outros bens? como se faz a passagem da propriedade?
Meu caro Mendes de Carvalho: precisamos ouvir a sua voz para proteger as viúvas e defender a tradição. Porque esta não espolia, não retira, não furta, não subtrai, não se apodera, não se assenhoreia, não rouba, muito pelo contrário, procura ser justa e protege.
Que se não diga que " sob o olhar silencioso " ( ontem de Lenine, hoje de Neto) o roubo é certo, e a viúva que se lixe.
A ÚLTIMA JUSTIÇA
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Com a libertação de Pinochet, porque estava velho, porque estava doente, porque não estaria em condições psíquicas para que o seu julgamento não deixasse de ser uma violência, veio-me à ideia pensar assim:
Começando cá por casa: se Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Diz for apanhado, possivelmente virão os direitos humanos pedir para que não o julguem. Dirão que com Pinochet se abriu um precedente de humanitarismo que não permite julgar quem errou por uma boa causa.
Passando um pouco ao lado, por uma casa irmã: se Fidel fosse julgado um dia, tivesse ele oitenta, noventa ou cem anos, estivesse ele doente, senil, entrevado e tão mudo que não se pudesse defender, seria condenado por aquilo que fez, por aquilo que não fez e por aquilo que os outros determinassem que ele teria feito.
É que Fidel não é Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Diz, nem se chama Pinochet, nem como eles agiu por uma boa causa - a causa da liberdade, da democracia, do cristianismo contra o ateísmo marxista dos vermelhos.
Passando por outras casas: se Hitler ressuscitasse, se Sadam-Hussein ou Milosovitch fossem detidos e presos, pudessem eles ter oitenta, noventa ou cem anos e seriam muito justamente condenados, por terem prendido e feito desaparecer, por terem morto e mandando matar, por terem açaimado a liberdade, por terem violentado a paz, por terem menosprezado a justiça.
E de nada lhe valeria serem velhos ou andarem a tremelicar doenças senis em cadeira de rodas. É que qualquer deles não é Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Diz, nem se chama Pinochet, nem como eles fizeram assassinar por uma boa causa - a causa da liberdade, da democracia, do cristianismo, embora nem sempre contra o ateísmo marxista dos vermelhos.
Porque isto é assim: violar, fazer espectáculos orgíacos de violações múltiplas frente a pais, maridos e filhos menores, com intenção de bem servir o cristianismo, é purificar pelo sofrimento a alma dos pecadores. Matar por necessidade a bem da democracia, é defender os direitos das gerações futuras, é proceder por uma boa causa - a causa da liberdade, da democracia, do cristianismo, contra o ateísmo marxista dos vermelhos.
Precisamente por isso, é que Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Diz e Pinochet, mais não fizeram que defender a Pátria, contra a vontade pouco esclarecida de um Povo que errou democraticamente, votando em presidentes que não eram da sua vontade.
Embora sabendo que vaso ruim não quebra, se um e outro fossem julgados e por causa disso morressem, o que é que aconteceria?
Sem dúvida: ficava o mundo mais limpo, a justiça menos poluída e, principalmente, ter-se-ia ajudado a fazer a vontade de Deus. É que nem sempre Deus pode fazer Justiça quando quer. Quanto maior é o pecador, mais Ele espera, na sua Santíssima Misericórdia que o candidato a morto tenha a lucidez de se arrepender e ganhar o céu.
Deus queira (mesmo não querendo) que eles não se arrependam, porque só nos resta o Inferno para castigar os crimes que impunemente passam e passeiam pelo mundo, muito embora praticados por uma boa causa - a causa da liberdade, da democracia e do cristianismo.
ABORTO - SIM OU NÃO?
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Controverso - e muito - é este problema, o da legalização do aborto. Para a maioria, senão mesmo a totalidade das igrejas, o aborto é um crime intolerável contra um inocente indefeso. Para uma grande parte de não religiosos é, não só o recurso extremo para uma gravidez indesejada, como ainda, uma forma de proteger a mulher contra o aborto clandestino que quase sempre deixa sequelas e muitas vezes ceifa vidas.
Legalizada ou não, a prática do aborto parece ser corrente na nossa sociedade, embora e quase sempre em situação de desastre inevitável. Se é certo que a sua proibição não trará qualquer diminuição à sua prática, certo é também, que a sua legalização poderá vir, pelo menos, diminuir o catastrófico da morte e inutilizações.
Nesta luz difusa em que o aborto se mantém em Angola, sem se saber se está proibido ou não, quase parece um problema sem importância.. A controvérsia só surge e os ânimos só se exaltam, quando alguém aventa a hipótese da sua legalização. Fora disto, é como se não houvesse problema algum.
Há quem acredite, até por questão de justiça que ele deveria ser legalizado. E justiça porquê? Porque se a legalização do aborto não obriga a mulher religiosa a fazê-lo, a sua proibição, impõe que a mulher não religiosa tenha o filho que não deseja.. O aborto é aqui, encarado como um problema de consciência individual.
Dizem as igrejas que o aborto não é um problema de consciência individual (religiosa ou não) mas social, tal como a eutanásia, se fosse permitida a doentes incuráveis, a velhices senis, a crianças deficientes e a tantos outros casos.
Por outro lado acreditam os crentes que existe uma dimensão transcendente na dor e no sofrimento que não diminui a dignidade do homem - pelo contrário, dá-lhe uma grandeza que não pode ser rejeitada. De qualquer modo, continuam as igrejas a afirmar, não se pode legalizar um acto que é pura e simplesmente um assassínio.
Dizem uns - o feto não sente nem sofre; o feto não é ainda a criança que vai ser. Respondem outros: o feto é já em si, não a criança, mas o homem que será, portador de uma alma imortal que ganha na altura da concepção e não do nascimento. E embora não esteja demonstrado ( muito pelo contrário) que o feto não sinta nem sofra, o problema aqui, é uma questão de princípio - qualquer assassinato, embora a vítima não sofra, é crime.
Perguntam alguns - e trazer um filho indesejado ao mundo, não é crime? E obrigar uma jovem ainda criança, ao peso para toda a vida de um filho da irresponsabilidade (que nem sempre é dela) não será crime? E a condenação à miséria de mais um filho, em mães que já têm tantos ? Não são as famílias mais numerosas e miseráveis que dão à sociedade o maior dos marginais?
Dir-vos-á qualquer igreja: o filho indesejado numa mulher quase criança tem tantas probabilidades de ser um peso, como não. Mormente em África, onde o estigma da mãe solteira (que já na Europa se esbate) é praticamente inexistente. É no entanto mentira que as famílias pobres e miseráveis, porque são numerosas, dêem maior número de filhos à marginalidade. Em condições de vida igual, tanto será marginal um sétimo, como um filho único. Entretanto, acrescentarão, o aborto não é terapia para melhorar situações de miséria social.
Porém, e num país como o nosso, em que o homem se regozija por ter muitos filhos, que último recurso sobra à mulher? Tanto mais sabendo que quem os "carrega" desde que os concebe é a mulher, quem em parte os sustenta e cria é a mulher; quem, por abandono do lar fica com eles, é ainda a mulher?...
Quem até, nesta matéria de aborto, vai às barras do tribunal, e é julgada, e sofre a devida punição, é a mulher, que não o homem. O que falta pois, para que a mulher sendo considerada cidadã responsabilizável, tenha direitos iguais ao pai, neste caso considerado sem qualquer culpa?
Aborto, um problema sobre o qual reflectimos sem concluir, à espera de outras reflexões. Sim ou não?
ALFABETIZAÇÃO NOVAMENTE
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É meritório que o Governo procure solução - e neste caso através do Ministério da Família - para o analfabetismo feminino. Não só porque a mulher representa a camada da sociedade socialmente mais activa, mas também, porque é sabido que quem educa um homem favorece uma só pessoa e, quem ensina uma mulher, beneficia uma geração inteira.
Embora haja um grande mérito nesta preocupação de alfabetizar as mulheres, procurando projectos específicos que lhes dêem prioridade (e utilizando, possivelmente, métodos que atendam à especificidade da sua condição) há dúvidas que se me impõem apresentar:
Uma, seria saber, se para lá do balanço que foi feito no final de tantos anos de ensino, se chegou a qualquer conclusão no que respeita o analfabetismo funcional: percentagens e propostas de melhoria.
As causas, todos as sabemos - falta de utilização do aprendido, por carência (ou até inexistência) de livros, jornais e outros materiais de leitura, indispensáveis a uma pós-alfabetização conveniente.
E isto é importante. Porque se não tivermos materiais de continuidade escolar que possibilitem uma pós- alfabetização normal, imediata e contínua, estaremos a gastar, pura e simplesmente (e mais uma vez) o dinheiro para nada e, o que é mais grave, a enganar uma população para lhe oferecermos coisa nenhuma.
Um outro problema : há uma fase importante e indispensável - a fase da sensibilização.
Quem acompanhou mais ou menos de perto, as campanhas de alfabetização anteriores sabe, que embora as aulas fossem dadas durante as horas de trabalho, havia alunos (principalmente alunas) que, por desinteresse, ao fim de dois ou três anos, sabiam tanto como no começo. Iam-se arrastando pelas aulas, gozando da facilidade de não serem obrigadas ao trabalho, desculpando-se que ninguém lhes iria pagar melhor por saberem ler ou escrever. A alfabetização era, no seu entender, um esforço desnecessário, sem interesse nem benefício. Sem que cada uma das mulheres sinta que quer realmente aprender - perde-se tempo, gasta-se dinheiro e trabalha-se, unicamente, para fingir que se está a fazer alguma coisa.
Para não repetirmos o engano de tentar alfabetizar quem não está interessado, valeria perguntar então: teremos já os métodos e as pessoas para levar avante esta sensibilização? teremos já um conhecimento aprofundado das causas do absentismo e das desistências ? teremos já catalogados, todos os entraves ( sociais, morais, culturais) que cimentam esta atitude de desinteresse?
Parecer-me-ia interessante, nesta altura em que não se é capaz de erradicar o analfabetismo nos mais jovens, que qualquer campanha de adultos devesse ter, como prioridade absoluta, a alfabetização das camadas de menor idade.
Receber com a mesma disponibilidade uma rapariga de 15 ou 18 anos e uma senhora de sessenta, é exportar para anos futuros o problema da erradicação do analfabetismo.
Necessariamente que todos temos os mesmos direito. Porém, quando as possibilidades são insuficientes e não resolúveis a curto e médio prazo, há que sacrificar as gerações mais velhas. Acabar com o ciclo vicioso, de haver sempre uma jovem que não sabe ler (ou que aprendeu alguma coisa e não concluiu) à espera de ser mais velha para aprender depois.
O que for realizado hoje, determinará o êxito do que vier a acontecer amanhã. E tudo o que não esteja projectado para servir o futuro, não convém a um País que já perdeu tempo, dinheiro, boa vontade e santas intenções, para, de experiência em experiência, experimentar uma vez mais a não fazer nada.
NOME DE MARIDO
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Com todos os defeitos que se possam assacar ao partido único que foi o M.P.L.A. e às chamadas Organizações de Massa a ele subordinadas, um facto parece inquestionável: a OMA somou algumas e importantes vitórias, no quadro da luta pela emancipação da mulher.
A década de oitenta foi decisiva. Mormente aquando da entrada para cargos de responsabilidade de pessoas de capacidade intelectual reconhecida, deixando-se de lado uma certa obrigação costumeira e campesina, de dar à idade - mesmo analfabeta - a primazia da autoridade e do mando.
Foi época de alguma turbulência que pôs algumas vezes em confronto, de um lado a mulher sabedora e culta, do outro, o machismo mal-disposto e reaccionário de um dirigente qualquer, que embora sem razão, decidia como melhor entendesse.
Da alguma coisa que se conseguiu neste campo das igualdades, foi que se perguntasse também ao noivo, na hora do casamento, se quereria optar pelo nome de família de sua mulher.
Aparentemente ficaram - o homem e a mulher - com direitos iguais, muito embora ele recusasse sempre e sistematicamente o sobrenome dela e ela, aceitasse quase sempre e naturalmente, o apelido dele. A tradição, o costume, a educação religiosa, o peso de opinião da sociedade, têm uma força tal que não bastará dar aos dois a igualdade de opção, mas obrigá-los a reconhecer esses mesmos direitos.
E quando por via de todos estes condicionalismos, as mulheres tenham tendência de optar por um nome de família que não é a sua, achando justo e natural que, ao mesmo tempo, o companheiro faça precisamente o contrário, uma coisa nos parece certa: é que os cônjuges devam ficar cada um com o seu próprio apelido, sem possibilidade de qualquer mudança.
Que outro direito se não evocasse aqui, um só seria suficiente: o casamento não faz de um propriedade do outro, de tal modo que lhe seja necessário mudar de nome, como quem muda o ferro-de-marca a um animal.
Vantagens seriam estas:
Diplomas e outros documentos, se passados a favor de mulher solteira, não deixariam de corresponder ao seu nome depois de ela casada, nem voltariam ao mesmo nome, se viúva ou divorciada, nem tomariam um outro se novamente acasamentada.
Suponho que nestes casos, é até necessário apresentar prova de que a Dr ª Albertina Medeiros Bernardo, terá sido Bernardo pelo casamento com o Senhor António Bernardo, e é agora Medeiros Felisberto por segundas núpcias com o Senhor Qualquer Coisa Felisberto ... pelo que a conclusão será, que a Drª Albertina Bernardo, aliás Felisberto é pura, simples e unicamente Albertina Medeiros.
Milhares de horas seriam poupadas aos registos em anotações e acrescentos para afirmar que tomou o nome de seu marido Fulano.
Evitar-se-ia que, quem tendo com o seu próprio esforço ganho fama na rádio, no jornal, nas artes, na literatura com o nome de casada ( há, que eu conheça, mais de um caso em Angola ) fosse obrigada a optar, por questão de divórcio, pelo seu nome de solteira que ninguém sabe quem é. E nestas lides de rádio, jornais, artes, literatura, (não tanto a televisão que se associa à imagem ) se o esforço é importante e o talento decisivo, o nome é uma "marca" de prestígio que uma vez retirado pode levar anos a refazer.
É o caso pois, de uma igualdade que ficou igualmente desigual e hoje, mais do que nunca, porque a mulher perdeu força e muito da sua influência, igualmente desigual por muitos anos andará.
O Ministério da Mulher ( porque não o da família?* ) poderá fazer alguma coisa ?
Poder poderia, se o homem não estivesse de antemão preparado para recusar, num país onde ele ainda é o único que manda, que decide, que separa o trigo que lhe convém do joio que lhe não interessa.
O BONÉ DO DIRIGENTE
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É hoje moda o boné de pala. Boné que ninguém compra porque lhe é oferecido. Oferta feita a cada passo pela empresa tal, pela organização hípsilon, pelo produto xis.
Você aceita e agradece. Não muito. Só um tantinho para não ser malcriado e desagradecido. Por vezes leva a contragosto os bonés e os miúdos em casa que o ponham, que os distribuam entre si,que façam a banga da vaidade com eles.
Uma que outra vez, ou porque o sol queime e você tenha dado em jardineiro, bota um chapéu na cabeça.Uma que outra vez, vai a família à praia e precisa de um boné - a filha tem um, o filho outro, a mulher já arranjou um terceiro e você procura o último e mais amarrotado exemplar - mas que lixe! O que é preciso livrar-se da canícula.
E você que nem olhou para o que o boné anunciava, lá vai fazendo propaganda à empresa tal, a sua mulher a outra e os seus filhos a uma terceira.
Valia aqui reflectir sobre os reais benefícios desta propaganda de um que diz que é bom, do outro que afirma que é melhor, e deste último que também garante que é assim, como que excelente. A propaganda existe para obrigar a comprar, ou é só um primeiro passo, para se não fazer esquecer?
Ora então que estamos todos de boné na cabeça, direi…
… enquanto eu, que não sou ninguém, posso dar-me à liberdade e o luxo de ter na cabeça o boné da propaganda que me apeteça, o que pensarão as pessoas de um ministro, de um governador, de uma personalidade, enfim, que apareça na televisão (na praia ou em público) com um boné destes?
No mínimo que o Senhor Tal, parece ser sócio (ou dono) da Empresa de que o boné faz publicidade. A diferença entre ser sócio e ser dono está, tão somente, no tamanho da Empresa. Há empreendimentos grandes demais para tão pequeno dono, ou pequenos em demasia para tão grandes patrões.
Se o boné for de uma multinacional que não tem patrão que se veja, embora possua dinheiro para comprar tudo, até aquilo que não devia - em sendo você governante, já lhe dão como bem comprados e melhor vendidos os favores da sua consciência.
Seja como seja, senhor ministro, senhor governador, senhor deputado, senhor gente importante deste País - quando se vai mesmo à praia, ou a um comício, ou a uma falação qualquer e aparentemente sem importância, não se deve ir tão enfatiotado e gravatesco que faça com que os outros se sintam distantes de si, nem tão à vontade que possa parecer que o público lhe não merece nenhuma consideração e que para tal público qualquer boné baste…
O PRIMEIRO PECADO
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Sempre me pareceu estranho que a soberba fosse o primeiro dos pecados mortais. Isto porque, com a soberba de quem quer que seja, posso eu bem e não me parece de grande diferença que haja um soberbo a mais ou a menos neste mundo.
Isto até, porque me parece que a soberba seja, uma idiotice inútil de um indivíduo pouco inteligente. Só é cheio de si, só é soberbo, só se julga a cima dos outros, aquele que na realidade, para estar a cima de qualquer um, precisa das andas inseguras da vaidade, porque não lhe chega o salto raso de se aceitar como é.
Pensando um pouco, cuido eu que a soberba que hoje não incomoda ninguém, teve a sua aura de grande pecado na idade média europeia, quando as pessoas nasciam, umas por obra e graça já filhas de Deus, e outras, sem obra alguma e por desgraça sua, filhas sem outro pai que não fosse um pobre diabo.
Realmente quando um indivíduo nascia para rei porque era príncipe, nascia para fidalgo porque era visconde, nascia para arcebispo porque era filho de algo, esta como que escolha de Deus, este, pouco menos que direito divino, ensoberbeceria qualquer coração.
Vede pois como seria pensarmos que Deus Nosso Senhor, em meio das suas múltiplas tarefas de governante do Universo e das almas, se debruçasse sobre o berço do nosso futuro para nos escolher isto ou aquilo, em desfavor de outro que, sem culpa alguma, passaria a ser o nosso aguadeiro, ou o guardador dos nossos porcos.
Porquê eles? Perguntaríam os mal nascidos, se não soubéssemos já a resposta... porque feitos de melhor matéria; porque moldados mais a contento do Criador; porque senhores de perfeições bastantes para serem filhos de quem eram... Entendei pois como nos sentiríamos naturalmente os melhores, o mais bem amados, os de merecimentos que Deus não atribuíra a qualquer outro.
Daí que olhassem para os restantes por cima da burra. Que os sentíssem inferiores. Seus vindos ao mundo para os servir. Seus, postos na terra, para lhes dizerem sim a tudo quanto exigissem: opiniões, mulheres, torturas, ou mortes. Ninguém para contrariar. Ninguém para dizer não.
Só a Igreja, que começando a perder o controlo da sociedade civil e até de si própria, bota mão dos pecados mortais, para moderar as acções de cada um - o primeiro dos quais é este, porque era o principal - quem não contém a soberba, desavem-se com tudo o resto.
É evidente que este pecado tão inofensivo hoje era na época princípio de muita discórdia. Os reis podiam matar se feridos nas sua dignidade; os nobres podiam tirar a vida a quem os deslustrasse na sua honra; Os clérigos podiam excomungar (que era uma forma de matar mais absoluta, retirando a salvação eterna) quem os maltratasse na sua
vaidade. Por isso, o pecado era supremo e a sua virtude contrária - a humildade - nunca por demais enaltecida.
É interessante pensar, como com o andar dos tempos os pecados e as virtudes se alternem em importância. E perguntar, se dos sete pecados antigos, qual seria hoje o maior: se a soberba aqui tratada, se a avareza, se a luxúria, se a ira, se a gula, se a inveja ou a preguiça.
A soberba não agrava já, pois ser rico é uma virtude; a luxúria não tem problemas, porque hoje é medicada como terapia do equilibrio; a ira, é só um berro que se dá e outro que se esquece; a gula, com a falta de dinheiro, quando há, quem não "enfarda" é burro; a inveja nem já dá para ser pecado - é um escape de alma, dos que somos e não temos, contra os que têm e são; a preguiça tornou-se uma desvirtude tão pessoal e tão íntima, que até nos países desenvolvidos é paga para continuar a não fazer nada.
Que oitavo pecado existirá no mundo de hoje que a gente não conhece? O pecado da descrença - o ser capaz de ter uma fé assim, de não incorrer nos sete pecados aqui ditos e ter a certeza, que com três dedos molhados em água benta, se lavarão todos os outros que naturalmente teremos.
O TERCEIRO PECADO
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Eram, como se sabe, os pecados mortais sete, e sete, igualmente, as suas virtudes contrárias. Pela ordem da memorização a que nos obrigavam, o mais grave seria o da soberba que era o primeiro, depois o da avareza que vinha a seguir e no terceiro posto, a luxúria que era o pecado com a palavra mais bonita que eu até então ouvira dizer.
Pensava eu, na inocência dos meus seis ou sete anos, que a luxúria fosse um pecado de ricos, de quem anda bem vestido demais, de quem fizesse gala com os luxos. Como o meu pai não era rico, nem a gente se podia vestir assim, sempre me senti longe desse tal pecado.
Como vos lembrareis estávamos na época da catequese das proibições. Pegava-se no pecado, explicava-se por palavras, às vezes fotografava-se com imagens e, depois de bem mostrado dizia-se: não faças isto que é pecado.
E o que seria a luxúria naquele tempo, e assim explicada a nível da nossa idade? O que é que a gente poderia fazer para não incorrer neste pecado, se não sabíamos que pecado era?
Ora pois, vede como era difícil explicar a crianças tão meninas, o pecado da luxuria que não deveriam praticar.
A saída mais airosa e exemplar que conheço, ouvi-a um dia, muitos anos depois, da boca de uma senhora que ia à escola primária ensinar catequese. Chegada a luxúria, dizia assim:
- Os meninos não se devem olhar, nem do pescoço para baixo, nem dos joelhos para cima.
Imaginem o que serão trinta crianças chegadas a casa, a olharem-se bem, para verem ( uma vez só que fosse ) a luxuria que teriam entre os joelhos e o pescoço.
Felizmente que nos dias de hoje deixou a luxúria de ser pecado e passou a existir no mercado como comércio de muito lucro e excelentes dividendos.
Bons tempos eram aquele em que se poderia ser casto ou luxurioso, ser virtuoso ou pecador, no mais íntimo de cada um. No recato das nossas próprias vergonhas e pudores. Agora não se peca, noticia-se. Não se enche a cara com a cinza da penitência, mas dá-se o rosto à sem vergonha da vaidade.
Bons tempos em que a luxúria era só o luxo de vestir e não, como hoje, a ciência de bem despir ou andar nu.
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OS INSPECTORES DE CACIMBO
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Há expressões que com o tempo se esquecem, muito embora sejam muitíssimo bem postas e muito a propósito inventadas. É o caso dos Inspectores de Cacimbo que tiveram o seu tempo áureo quando Angola, em tempo de chuva, era um feixe de estradas pantanosas e enlameadas, pouco convidativas a quem se quisesse deslocar para o interior.
Daí que os ditos "inspectores" só se viajassem no tempo seco, quando a temperatura era também menos tórrida e mais agradável, mormente para quem não dispensassem o fato e a gravata.
Mas quem eram afinal, os inspectores de cacimbo?
Voltemos um pouco atrás para explicar que havia dois tipos de portugueses: os que estavam aqui há muitos anos, que conheciam bem a terra e as suas dificuldades, que pensavam passar aqui a sua vida e os outros - aqueles portugueses mesmo de Portugal -que não conheciam nada das colónias e que, amigos ou parentes de um ministro, vinham de férias com todas as mordomias, ajudas de custo que "embolsavam" por inteiro já que não pagavam nada.
Com cunhas e amizades arranjavam uma boleia para vir a Angola ver, investigar, ou verificar qualquer coisa que justificasse a viagem, as despesas que faziam e o relatório que escreviam e ninguém lia.
Bem recebidos por directores, governadores e demais autoridades, visitavam isto e aquilo: fábricas, fazendas, comércios, cidades, vilas e aldeias. Às vezes esqueciam-se de que estavam ali só a "fingir". E muito embora em alguns campos Angola estivesse mais desenvolvida que a "metrópole", eles achavam-se sempre no direito de amesquinhar este ou aquele empreendimento, sugerindo mudanças e dando opiniões, mesmo se não percebiam nada da matéria de que falavam.
Enfim, diziam asneiras com um ar convencido e doutoral, que os outros nem contestavam: deixavam-nos falar, deixavam-nos dizer e entre uma cerveja e outra ( o whisky ainda não tinha emigrado para cá) desabafavam uns com os outros: "Inspectores de Cacimbo".
E aconselhando aqui e ali, lá regressavam com o sentimento do dever cumprido: tinham contribuído com o seu trabalho de aconselhamento para o desenvolvimento deste território. E mais: graças a essa viagem, passavam a ser especialistas em política colonial.
Pois é lembrando estes inúteis "inspectores de cacimbo" que eu me ponho a pensar se saídos uns, não teremos importado outros. Mormente quando aceitamos sem qualquer critério, tudo quanto as ONGs nos propõem, com aquela mentalidade antiga que manda "não ser pobre e mal agradecido".
Que precisamos de auxílio, e boas vontades, e centenas de braços e saberes prontos para nos ajudarem, precisamos. Que nos entreguemos, por causa desta precisão, à iniciativa dos outros, como se não tivéssemos, nem experiência, nem saber, nem opinião é que me parece profundamente errado.
Falemos em termos práticos: depois de muitos anos apareceram agora os "Magistérios Primários" que formarão professores. Entretanto, "A Escola dos Professores do Futuro", com as mesmas habilitações forma professores rurais.
A primeira pergunta é esta: se o Ministério da Educação considera os curso equivalentes, já que as exigências de admissão são semelhantes?
A segunda questão é saber, no caso dos cursos terem a mesma valia, quantos professores serão suficientemente masoquistas para, podendo ensinar na cidade, se irem meter numa escola de mato, sem casa, sem transporte, sem segurança, sem comida a que estejam habituados, sem vencimento a tempo e horas...
Saber como terceira preocupação, se os mentores da Escola do Futuro sabem o que no tempo colonial acontecia quando se deixava fazer o horto escolar - o horto passava a ser do professor e os alunos, ora de manhã, ora à tarde, trabalhavam obrigatoriamente neles.
Agora será diferente? Ou estarei eu, como qualquer "inspector do cacimbo" a dar opinião sobre o que não sei nem domino.
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OS REACCIONÁRIOS
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Havia noutros tempos, uma figura de que todos nos temíamos: a do reaccionário. Não sabíamos muito bem quem fosse, mas podia estar escondido em qualquer lado. Não sabíamos muito bem o que fazia, ou teria feito, mas cuidávamos que não seria nada de bom.
O reaccionário era pois uma figura difusa, mal conhecida que poderia ser um, qualquer um, ou quase todos. Era o negativo de um outro negativo que até então Salazar nos tinha imposto: o comunista. Comunistas poderiam ser todos, ou nenhuns. Só não eram comunistas Salazar e o S.José Lopes que mandava na Pide. Todo o resto poderia ser, mesmo que não fosse.
E bem nos admirámos nós com alguns comunistas aparecidos à luz do vinte e cinco de Abril. Não se pareciam em nada com os malfeitores que nos desenhavam, com os vende-pátrias ao serviço da União Soviética, com os servos a mando de estrangeiros para entregar o património não só físico, como histórico-moral dos portugueses.
Fosse pelo que fosse, também nós teríamos, anos depois, o reaccionário - o fura-bolos da integridade física da Nação, o lacaio pago a dólares e a mando do Imperialismo que é um rótulo que muda com o tempo: ontem, porque era o imperialismo norte americano, hoje porque é (ou foi) o russo-cubano.
Pois o reaccionário que andava por Angola inteira, pelo que parece, emigrou. A menos que seja tão comum que já se não dê conta. Vejo às vezes, os caça reaccionários, os anti-motins da ideologia, não na embaixada da Rússia (que agora também é reaccionária pela medida da tabela antiga) mas a beber o seu copo com os "eis" imperialistas.
Numa terra em que todas as ruas são "eis" - a Rua ex-D.Dinis que é Sebastião Desta Vez, a ex-António Barroso que é a Marien N´guabi - faltava-nos esta figura de ex-imperialista que, com o ex-reaccionário, parece conformar a pureza (e a presteza) ideológica do nosso País. Alguns chamar-lhe-ão versatilidade democrática.
Mas então o que fizeram dos reaccionários todos que havia? Morreram de paludismo? Deitaram-nos à Baía? Não consta. O mais certo é terem sido reciclados. Bem lavado o vasilhame, o Whisky, sabe igualmente ao que sabe, numa garrafa de vodka.
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PECADOS MORTAIS
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No meu tempo de catequese - na saudosa e histórica Igreja de Nª Senhor do Pópulo de Benguela - aprendiam-se os sete pecados mortais. Se os não posso enumerar a todos, alguns haverá de que ainda lembro e outros que, a continuarem vigentes, terão baixado de categoria na ordem hierárquica dos pecados. Em pecados veniais transformados, são máculas de muito pouco interesse e quase nenhum uso. Quer-se dizer que já ninguém os utiliza, já ninguém os peca.
Um deles terá sido o da Avareza, erigida hoje, com um ou outro arranjo de pormenor, em virtude de grande proveito e estima.
A Avareza já se não imagina naquela figura de judeu, velho e sujo, de barbicha espetada que se obrigava à fome para melhor enriquecer e retirava satisfações insuspeitadas do entretém estranho de contar moedas. O Avaro de hoje, não amealha, movimenta acções na bolsa, possui rendimentos que não põe a mofar no baú da sua sovinice. É que amealhar tomou uma outra dinâmica. Guardar, reter, conservar, significa agora perder dinheiro. Não se economiza guardando - ganha-se mais, fazendo circular melhor...
O avarento de ontem é o capitalista de agora - bom fato, boa comida, boas mansões, boas mulheres, porque tudo isto são "poupanças" que o ajudam a ganhar mais dinheiro. Só mostrando o seu bom gosto, o seu trato fino, os outros confiam em termos de negócios e matéria de lucro e de dinheiro.
Dizia o catecismo que contra a avareza que era reter, havia a virtude da liberalidade que seria assim como pegar no que se tem a mais, para espalhar pelos que têm de menos.
Entretanto, até nisto, o catecismo da vida mudou. O pobre já não é hoje o dedo apontado à consciência de cada um, mas uma faixa apreciável num mercado de excedentes incompráveis, para lá de ser o alfobre da mão de obra barata que sabemos.
Já ninguém dá o peixe, mas é previdente que se ensine a pescar. Isto dizia o Mau Tsé Tung, um tanto atrasado no tempo, que hoje, se me permitem que eu diga: " Já ninguém ensina a pescar. Aos pobres deve-se levá-los a comer o peixe que os outros pesquem, para que haja um efectivo retorno dos impostos que pagamos para as taxas de beneficio social a que eles têm direito".
É no gastar de uns, e no receber de outros que numa democracia sem diferenças se cimentam os direitos iguais de todos.
Por isso a liberalidade é uma invirtuosa fomentadora de vícios sociais. Cria dependências a quem recebe, quebra a iniciativa de quem tem que fazer pela vida, retira a dignidade ao homem que não nasceu para mendigo.
A liberalidade impossibilita que a expressão mais viva do voluntarismo humano, os self-made-man, se desenvolvam. A liberalidade não acredita no milagre dos homens que a partir de uma maçã poupada e vendida, conseguem comprar o pomar inteiro.
É assim que a avareza de quem amealha é hoje de muito maior estima que a liberalidade de quem dá. Uma possui, retém e multiplica, a outra presenteia, oferece e esbanja. Uma porque é sagaz e racional, aumenta e melhora; a outra porque é burra e pouco inteligente, diminui e piora. Uma é virtuosa porque poupa com inteligência - é a avareza; a outra é pecadora, porque dissipa sem razão - é a liberalidade.
Bons tempos os da minha catequese em que a avareza era mesmo o segundo dos grande pecados mortais e a liberalidade a sua virtude oposta. Bons tempos em que ainda se tinha para dar e constituía pecado possuir sem precisão e reter sem finalidade.
Bons tempos são os de hoje também, em que é tudo igual, mas precisamente ao contrário. Em que a liberalidade pode constituir-se num investimento moral, mas não é, em termos de moral social, um projecto defensável. Porque agora com a moral que tínhamos, e era só uma, há as morais que não temos e são muitas.
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O SOL E A PENEIRA
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Há pessoas que fortemente me irritam. Dizem mal disto e daquilo. Mantêm viva a chama da inveja. Mantêm alerta todos os sentidos da maledicência. Não dão palavra sem rancor, nem chamam à memória nenhum santo que não seja para lhe apontar defeitos.
Para eles todos roubam: dirigentes ou não. Para eles todos os governantes desgovernam. Para eles, de seu próprio conhecimento, só acreditam na sua honestidade sem agravo nem mácula, na sua boa vontade sem interesse, nos seus propósitos sem outras intenções.
Dias há, falava eu com um deles e já exasperado de me ver rodeado de tantas histórias de corrupção, de roubo, de interesseirísmo, perguntei-lhe:
- E tu, porque não roubas?
Respondeu-me de pronto:
- Possivelmente porque me falta imaginação para inventar oportunidades, ou família para me proteger nos erros. Agora a moda é esta: és director ? A tua empresa tem imóveis ainda não registados em seu nome? Passa para as tuas mão um dos edifícios, gasta cinco ou dez mil em gasosas para os papéis andarem mais depressa e aluga tudo a uma empresa estrangeira, que logo no segundo mês já te pagou as despesas. Depois é só facturar...
- Mas isso não é roubo?
- Como queres que seja roubo?! O edifício estava aí sem dono: pagaste os não sei quantos meses de renda, pagaste depois o que te pediram por ele, roubaste afinal a quem, se estás dentro da lei? Aproveitaste sim um imóvel que estava por ali meio abandonado e sem préstimo que de outro modo teria ruído. Uma coisa que desfeava a cidade e que agora até dá gosto ver.
E continuando, como se tivesse mais a dizer:
- ... és professor? Queres dar explicações, cursos e não tens instalações? Aluga salas a uma escola qualquer nas supostas horas em que elas estão vagas que depois, a pouco e pouco, as pessoas habituam-se e tu ficas.
E voltando como se fosse tratar de um outro assunto:
- Tu sabes o que é que pode fazer o responsável de laboratório com um saco de plástico?
E eu que não sabia. E ele que continuava:
-... hoje um microscópio, amanhã outro, agora um frasco de reagente, depois três ou quatro, conforme com o saco que trazes... Contrata um camion e dez homens e manda (com o saco de plástico) comprar dez cervejas bem geladas. O guarda embebeda-se e os homens carregam sem oposição. Regressa com a televisão e a rádio e mostra que até lhe roubaram o quê, e mais o quê, e que o guarda estava perdido de bêbado e não guardou nada, como se confirma com as imagens tiradas na altura e no sítio...
- E então? Que achas que devemos fazer?
E ele com ar desanimado:
- Nada. Continuarão uns a roubar...
- Outros, como tu, a falar mal.
- E todos juntos, como nós os dois, a não fazer nada, tapando o sol do óbvio com a peneira do não te metas nisso que te lixas.