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O vírus e a Bandeira

  • Foto do escritor: Dario de Melo
    Dario de Melo
  • 14 de abr. de 2020
  • 1 min de leitura

Hoje acordei particularmente bem-disposto. Seis da manhã. É o içar da Bandeira. Vesti-me rapidamente e quando me pus de pé (a gente vestia-se sentado na cama) lembrei-me que afinal não estava detido na Casa da Reclusão, mas em minha própria casa.


O problema que é o vírus, agora não é só meu, é de todos.

Nada interrogatórios às duas da manhã. Cem ou duzentos homens desencostados num corredor, à espera de vez para serem chamados: “Diga-me lá porque está aqui?” Não sei. “Ouça lá. Está-me a chamar burro? Você foi detido e não sabe porquê?… É melhor confessar” Juro por Deus não sei, estou inocente. “inocente de quê? Afinal você sabe. Inocente de quê?

E o segura, com a única luz que lhe iluminava a cabeça.

Nas minhas costas, o muro de respirações silenciosas. Há homens que dormem de pé. É uma técnica que se aprende com o tempo. Interrogar também. Responder requer experiência.


O segura também sabe: “olhos abertos e fixos, o sacana está a dormir” E dá-lhe um pontapé na perna de apoio. O preso cai. Os alarves riem. O pessoal insulta para dentro.


Levanto-me. Na cozinha a mulher admirou; “tão cedo?”


Entrei na rotina dos outros dias. Todos os dias Içar da Bandeira “Qual bandeira que estás a falar?” A mulher chora. Telefona para os sobrinhos. O vosso tio está com o Vírus. Está a delirar e não diz coisa com coisa.






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